
Entrevista Livro 30 anos
Duarte Manoel
Quem é o Duarte Manoel e como é que se tornou forcado?
Duarte Manoel, nasceu a 2 de Janeiro de 1998. Natural de Lisboa, mas viveu a vida inteira em Évora, licenciado em Gestão pela universidade de Évora o 3º de 4 irmãos.
Desde de que me lembro de ser gente que sou aficionado, aficionado ao toiro; à arte de tourear tanto a cavalo, como a pé, mas principalmente pela arte de pegar toiros, pela beleza, pela valentia, pela amizade e compromisso, pelo arriscar tudo pelos amigos e todos juntos, pelo bom nome de um grupo, de uma arte.
Desde cedo que me lembro do Grupo de Forcados Amadores das Caldas da Rainha, dando-me a conhecer esta família o meu primo, Sebastião Manoel (Batana), quando faz a primeira ferra de gado manso em sua casa e me convidou. Desde esse momento fiquei fã do grupo, não faltava a uma...
Com o passar do tempo quando chegou a decisão de ser forcado, de para qual grupo iria, tendo já nessa altura um irmão no GFA Évora e outro a entrar para o GFA Santarém, a escolha não foi fácil, tendo sido pela insistente mão do Batana ( Sebastião Manoel) que percebi que o GFACR seria sem duvida a minha casa, a minha família. Levando-me a inúmeros treinos, com horas de viagem a contar histórias do Grupo, a dar-me a conhecer a imensidão que é já este Grupo das Caldas. E foi assim, que no dia 28 de Julho de 2018 me fardei pela primeira vez, e logo na nossa praça a abrir a temporada.
Todos os dias lhe agradeço por ter sido tão insistente comigo.
Sendo ainda jovem como está a ser o seu percurso como forcado?
Será certamente mais fácil a qualquer acompanhante assíduo do nosso grupo responder a está questão, responderia com certeza com uma maior clareza e liberdade.
O meu percurso como forcado, tem sido pautado pela forte exigência comigo mesmo, tendo desde sempre vivido um tempo de poucas oportunidades, devido à enorme falta de corridas para o nosso grupo, todas as vezes que me era permitido entrar dentro de praça tinha que tentar alcançar a perfeição, tinha de ganhar pontos, tinha acima de tudo não defraudar quem em mim confiou, quem estava atrás de mim e o mais importante, o legado e o nome do nosso Grupo.
Continuo a correr atrás desse mesmo objetivo, e penso que todos os dias haveram coisas para melhorar, felizmente ser forcado é para a vida e por isso não me faltarão anos para tentar poder dizer com humildade que me sinto e que sou forcado.
Como é que o Duarte se tornou cabo do GFACR?
Após um convite do antigo cabo Francisco Mascarenhas, convite algo precoce, numa altura em que ainda tinha poucos anos de ativo, mas ao mesmo tempo uma vontade enorme de agarrar novos desafios e de conseguir marcar o grupo de alguma forma.
Antes de qualquer decisão importante, gosto de consultar quem me possa ajudar a ter todas as cartas para conseguir reduzir a dúvida e o risco ao mínimo possível e assim fiz com este convite. Falei tanto com toda a minha família, com a minha namorada, como com muitos elementos ativos e antigos do grupo, conversas essas que me levaram a perceber que realmente, o ser cabo do GFACR não se tratava de um emprego não remunerado, mas sim de uma honra enorme. Ser a cara de toda uma família em que todos remamos e puxamos para o mesmo lado. Como em tudo na vida nenhum toiro se pega sozinho.
Depois de me aperceber disto, foi fácil a minha decisão, de quase que egoistamente dar a cara, como um forcado que dá a volta por todos os 8 elementos, é realmente assim que sinto, sem todo o grupo a apoiar e a ajudar seria impossível pegar este toiro.
Quais as principais dificuldades com que se tem confrontado?
Vivemos numa época que gosto de chamar de pseudo progressista, uma época em que a sociedade se está a afastar das tradições, dos seus costumes, para sermos todos um mundo de nada, pois acredita-se que isto seja a progressão. Com isso, toda a cultura, toda a génese de uma sociedade é atacada, e conseguimos notar isso numa série de estruturas, assim como estando a tauromaquia inserida na sociedade como uma prática social, tem sido também bastante atacada pois não compreende dentro dela o que uma minoria pensa ser a evolução do mundo e da cultura. Assim sendo, o número de espetáculos tem vindo a ser reduzido, inúmeras praças têm sido bastante atacadas, tendo mesmo algumas delas, como a da Póvoa do Varzim, sido demolidas para que se imponha assim, há força uma vontade de poucos contra a vontade de assistir e manter viva a festa.
Com esta redução de espetáculos, a nossa zona tem sido muito afetada, havendo muito poucos espetáculos, o que faz com que seja muito difícil o Grupo manter uma atividade desejada, com muito poucas oportunidades para se fazer novos forcados, ainda menos oportunidades para amadurecer e treinar os antigos para os compromissos mais importantes e sérios, vivemos épocas em que os poucos compromissos que temos são muito exigentes e sérios, o que faz com que, na minha opinião, esta seja a altura mais difícil para se ser forcado, pede-se muita paciência, muito tempo, à espera de num rasgo de sorte e timing para que apareça uma possibilidade de ter uma oportunidade, normalmente um ou outro furo acima do que seria expectável. Sempre com a exigência de que, se não a consegue agarrar, só passado outros dez forcados terem a sua oportunidade, voltará a ter a sorte de poder voltar a tentar. Quando uma coisa tão natural como o erro e a falha é pago a um preço tão caro, só mesmo a enorme paixão aos toiros e principalmente ao Grupo faz com que consigamos manter uma atividade digna, e com um número considerável de jovens a manterem-se no Grupo, tendo uma oportunidade apenas quando por um rasgo de loucura e de sorte.
O Duarte é um forcado polivalente, mas tem-se distinguido como um forcado de cara, concentrado, tecnicamente preparado e muito eficaz e como cabo também tem pegado frequentemente, tanto para dar o exemplo como para resolver problemas. Como se vê/sente enquanto forcado?
Enquanto Forcado sinto que ainda tenho muitos toiros para pegar, muitas provas a dar, principalmente a mim mesmo.
Sinto também, voltando um bocado a mesma narrativa, com a diminuição de corridas para o nosso grupo, o número de toiros que cada forcado consegue pegar anualmente é sempre reduzido, o que faz com que o treino pessoal, tanto físico, técnico ou mental; bem como os treinos de pré-época, são de uma vital importância para que as coisas corram bem. Como forcado, sou muito mais exigente comigo do que com os outros, ouvi um dia, “se queres que eles andem, tens de correr”, e é isso mesmo que tento fazer. Tento ser o que está mais em forma, tento ser sempre o que está tecnicamente melhor, tento ser o que está mais preparado, pois só assim posso exigir o mesmo aos meus forcados. Tudo isto faz com que tenha tido sorte nos toiros que me têm calhado.
Que balanço faz dos seus anos como cabo?
Na minha perspetiva faço um balanço agridoce.
Amargo, no que toca ao mundo exterior ao grupo, como a tauromaquia. Não consigo dizer que têm sido anos que nos tem afogado a ambição, precisava do dobro das corridas, precisava das chamadas corridas em praças de lata, praças desmontáveis, precisava de mais umas corridas com uma seriedade elevada, de ir ao Campo Pequeno, a Santarém, a Alcochete, à Moita, pois o momento que o Grupo está a passar e a antiguidade que o Grupo começa a ter, é isso que pede.
Doce no que toca ao interior do grupo, tenho sorte de “ter” ao meu lado o que penso ser a melhor colheita do GFACR, uma geração vintage.
Tenho no Grupo, no meu entender, os melhores dos melhores, tenho um grupo de ajudas que em qualquer grupo de Portugal tinham o lugar garantido, tal como em qualquer geração do GFACR, e isso tem se visto nas nossas prestações, tenho um grupo de forcados da cara que me deixam descansado para qualquer desafio, tenho uma geração de Jovens promessas que não deixam espaços para dúvidas, de que o Futuro está mais que assegurado e que vai ser risonho.
Por isso, o balanço que faço é que tanto em tempos de calmaria ou de tormenta, enquanto eu tiver estes forcados ao meu lado, estou descansado, estou feliz e estou seguro do caminho que o Grupo está a seguir.
Em sua opinião quais os principais atributos que um bom forcado deve ter?
Para mim um forcado, para assim se poder chamar, tem que ter pelo menos 3 características indispensáveis.
A primeira, a de “pegador” e aficionado, uma pessoa que sonhe vire a ser forcado, tem que ser um aficionado antes de ser forcado, tem que saber olhar para um toiro e extrair a informação que ele vai transmitindo durante toda a lide com o seu comportamento, tem que ser apaixonado por este animal. Pegar um toiro é tourear com uma muleta que se deixa tocar, por isso quem não gosta de ver um bom toureio a pé, os terrenos que toureiro pisa e as diferentes reações dos toiros a cada movimento; quem não gosta de ver as reações do toiro no cavalo, ao momento do ferro, ao citar do toreiro praça a praça, nunca será bom entendedor de toiros e por sua vez nunca encontrará o saber necessário para ser um forcado completo.
Um forcado que antes de o ser, terá de ser aficionado e conhecedor do toiro bravo, no momento em que salta a trincheira, um conhecedor que sabe quase tudo o que pode esperar do toiro e isso ajuda a evitar muitas lesões e a baixar o número de tentativas, pois não precisa de experimentar para saber.
Em segundo lugar um forcado tem que ser humilde, a humildade é para mim o maior dom que se pode ter, tento todos os dias trabalhar para conseguir ser cada vez mais humilde, a humildade serve principalmente para termos sempre a noção que tanto nos toiros como na vida não somos invencíveis, que em tudo precisamos de quem nos ajude a levantar quando levamos um derrote fatal. Até nos momentos bons, que por estranho que pareça precisamos até dos nossos amigos para festejar, pois as vitórias sem alguém para as festejar connosco não têm sabor de vitória. Um forcado tem que ter sempre a noção que oito somos poucos para pegar um toiro, quanto mais um só, e por isso quando um forcado não é humilde, não aceita quando dói, quando percebe que sozinho não consegue, desiste, culpa os outros e não os ajuda, precisamente antagónico ao que se tem obrigatoriamente que fazer em praça.
Em terceiro lugar, um forcado é uma pessoa amiga, é uma pessoa solidária, quando a guerra é dura, quando vem de lá o toiro manso, grande e mau, todos nós sabemos que o mais provável é que venha a doer, mas também sabemos que vai doer a 8, e se não me doer a mim, é porque está a doer a um amigo meu. Só com esta solidariedade e amizade profunda de dar a vida pelos seus amigos, e a instituição que os reuniu só o que é capaz de o fazer e de o sentir se pode chamar forcado, pois só este terá a coragem de enfrentar até o mais temível dos desafios.
Para mim, estes têm de ser os princípios basilares de alguém que sonha a ser forcado, ser forcado, é ser isto tudo, ser forcado não é mais do que mostrar dentro de praça o que se tem que fazer na vida, doa mais ou doa menos. Daí acreditar mesmo que antes de se ser forcado dentro de praça temos de o ser fora.
Em sua opinião quais as principais qualidades que um cabo de grupo de forcados deve possuir?
Como em quase todas as questões atrás, custa-me responder sucintamente a está questão. Um cabo tem que, em primeiro lugar ser um exemplo, tanto dentro com o fora de praça. Tem de fazer mais do que aquilo que pede para os outros fazer, tem de trabalhar mais do que aquilo que pede aos outros para trabalhar.
Um cabo, tem de ser humilde, tem que em todas a circunstâncias colocar o interesse do Grupo acima dos seus interesses e ambições, tem de saber que erra e que vai errar, e por isso tem de saber assumir e corrigir os seus erros, uma real capacidade autocritica tanto pessoal com a do grupo como um todo.
Em último lugar, e para mim o mais importante, um cabo tem de ser um amigo, um irmão. Só conhecendo as pessoas e a sua vida, conseguimos realmente saber o que é melhor para elas no preciso momento, tem que perceber quais as alturas em que está motivado e as que não o está, antes dos toiros, das corridas, dos espetáculos, o Grupo nada mais é do que um grande grupo de amigos muito especial, se essa amizade não tiver boas fundações, mais cedo ou mais tarde o grupo vai ceder, quando chegar a dificuldade. Só mesmo a verdadeira amizade, ao ponto de dar a vida pelo outro, irá fazer com que sejam ultrapassadas todas as dificuldades, só mesmo com esta verdadeira amizade se sabe o que é ser forcado.
Como em tudo o que junta muita gente, muitos homens na flor da juventude, nem sempre é fácil fazer essa ponte para resolução de todos os conflitos e gestão de todos os egos.
Quais as melhores e as piores recordações que guarda?
Não me consigo lembrar de más recordações. pois mesmo os dias piores que apetece quase desistir e atirar o capote ao chão, há sempre um amigo que esta lá para ajudar a levantar, ajudar a sacudir a areia do tapete e continuar a lutar. Todas as recordações de momentos mais difíceis, estão juntas aquelas que me fazem ter a certeza de que uma escola como esta, não se encontra em lado algum, nem em desporto nenhum. Ser forcado é sem dúvida, especial.
Dentro das muitas recordações felizes que tenho no grupo, penso que se podem destacar o dia em que entrei para Cabo do Grupo, em que nos encerrámos com 5 toiros, pegando em solitário, o que não acontecia já há uns anos e que fizemos 5 pegas à primeira tentativa, todas do inicio ao fim bem conseguidas, com o grupo a ajudar muito bem, os forcados de cara muito certos a ajudar e que penso ser pela primeira vez fazemos uma corrida em solitário toda pegada á primeira. Saí de lá com a certeza que tinha tomado a decisão certa, que com estas pessoas todas atrás de mim, o meu trabalho iria ser muito facilitado.
Outra das mais felizes foi este último 15 de agosto. Corrida a comemorar os 30 anos, num dia que não consigo ser ganancioso o suficiente para pedir melhor. Começando por uma missa na Quinta da Foz, uma casa que já nos conhece muito bem (aproveito para agradecer a companhia de Jesus e em especial ao Padre Carlos Carneira e João Golão, que estavam sem dúvida cheios do espírito Santo neste dia). Seguindo depois para casa já habitual do Nuno Serrenho que mais uma vez nos abriu as portas e neste ano especial, uma enchente de gente com uma alegria que contagiava, cheios de memórias e de vontade, de mais uma vez deixar história escrita. Seguimos para a praça com quase 100 forcados fardados, com os 5 cabos do grupo lado a lado, com as velhas lendas fardadas ao lado do futuro ainda por descobrir, com uma praça com o cartaz colado há três dias a dizer “Não há bilhetes”, cheia até ao pau da bandeira, a ovação aquando entramos para as cortesias, a descontração acompanhada com seriedade de todos os fardados saberem que, dê por onde der, os 6 toiros já estão pegados.
A emoção ainda corre muito viva dentro de mim para conseguir expressar-me sobre este dia em poucas palavras, será sem dúvida um dia que não irei esquecer.
Penso serem estas as memórias que melhor consigo descrever, talvez por serem mais recentes. Penso sim, que todos os dias guardamos uma nova memória, na história de um treino, nos copos do dia a seguir, no toiro que pegámos onde a raposa afia a unha. Depende de nós fazer com que essas histórias sejam boas, compete a nós decidirmos se queremos olhar para elas com a perspetiva do copo meio cheio ou meio vazio. Por isso mesmo, posso dizer que até hoje não tenho más memorias do tempo em que passei com os meus amigos.
Por quanto tempo espera continuar como cabo e como espera deixar o grupo quando for a altura de o passar a outros?
É uma pergunta para a qual não consigo responder. Posso dar a certeza de que ainda me terão que aturar por mais uns anos. Ouvi um dia, não me recordo de que, que para se ser um forcado digno de assim se intitular, tem que passar pelas 3 fases, Fase da novidade, em que a noção escasseia e a vontade transborda, desmedida em querer mostrar que estamos capazes e queremos estar com o grupo dentro de praça, a segunda fase, como eu gosto de lhe chamar a fase de maturação, e, que a noção já começa a estar presente e equilibrada com a vontade, em que já sabemos para aquilo que cá estamos e o que custa cá andar, e a terceira fase, que é a fase final, em que o corpo começa a querer descanso, a noção já ultrapassa em muito a vontade e apenas o amor ao grupo e aos nossos amigos nos mantem por cá, a fase para mim em que se aprende realmente muitos dos valores do que é ser forcado. Com isto, posso dizer que ainda estou no início da segunda fase e por isso, ainda muitos anos me irão ter de aturar até que passe pelas três. ​
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Perspetivas para o futuro?
Creio que “já no tempo da outra senhora”, aquele tempo de que só conheço pelas histórias ouvidas à mesa de cada jantar, em convívio, após treinos ou corridas, ou simplesmente por que nos apeteceu estar com os nossos amigos, que se avizinha um futuro sombrio, que se avizinha a morte e o fim da tauromaquia, que se adivinha o pior dos tormentos.
Os anos passam, as conversas continuam, mas a verdade é que cá andamos ainda todos, a verdade é que de ano para ano, mais jovens vêm as praças, integram grupos de forcados, mesmo sem qualquer ligação familiar, a força dos valores e a verdade inerente na pedra basilar da nossa tauromaquia fazem com que mesmo com as dificuldades, sejam elas exteriores, sejam internas, mesmo com as mudanças constantes de pensamentos dentro da nossa sociedade continuamos de ano após ano cá.
Quanto ao Futuro, quando lá chegarmos falaremos dele. Hoje, a única garantia que consigo dar é que farei de tudo para que o dia de amanhã, seja, para a tauromaquia e particularmente para o nosso grupo melhor do que o dia de ontem.

